Em entrevista à Rádio Difusora, de Goiânia/GO, o presidente Lula afirmou que o agronegócio teria problemas com o governo petista por questão ideológica, especialmente por rejeição à sua pessoa, o que é verdade. Não cabe dúvida de que a burguesia que enriquece com a agricultura intensiva no país jamais aceitará que um homem que vem da classe trabalhadora assuma o poder.
Porém, o presidente disse também o seguinte: "Há quantas décadas os sem-terra não invadem uma terra produtiva neste país? Entretanto, o agronegócio tem ódio dos sem-terra que são tão úteis ao Brasil quanto o agronegócio”. Neste ponto, Lula se equivoca. Se, por “Brasil”, entendemos o povo brasileiro, é preciso dar ao MST, que serve aos interesses da população, relevância muito maior do que a uma elite que explora os recursos do país somente em benefício próprio – por melhores pagadores de impostos que sejam os empresários deste setor.
A questão agrária no Brasil é muito importante, pois é ela que está por trás da fome de milhares de brasileiros, o que evidencia o horror do sistema capitalista. Neste país, pratica-se um império brutal do capital sobre a agricultura.
O Brasil possui ainda muitos latifúndios, o que significa que imensas extensões de terras pertencem a um único proprietário ou a uma única família. Como a divisão da terra é desigual, não é comum que os trabalhadores do campo tenham as suas próprias áreas de cultivo. Existem pequenos produtores autônomos, mas eles são minoria. A imensa maioria do campesinato é formada por trabalhadores que laboram em terras alheias. No entanto, é absolutamente incomum que eles sejam empregados formalmente, com carteira assinada, direitos sociais e laborais.
Na verdade, mesmo agora, na terceira década do século XXI, ainda existem três categorias de trabalhadores explorados campesinos: os escravos, que são aqueles que trabalham só pela moradia, pela comida e pela roupa que o patrão oferece; os servos, que trabalham em troca de uma pequena parte da produção; e os mal pagos, que recebem salários miseráveis. Todas estas pessoas costumam nascer e morrer no campo, sem acesso a escolas e serviços públicos de qualidade, e é raro que consigam uma aposentadoria. Por norma, os filhos mais jovens sustentam os idosos, mas as pessoas costumam trabalhar até a morte.
Mas, o que é que cultivam? Aqui no Brasil, como em todos os países ferozmente capitalistas, a produção não está orientada para suprir as necessidades do povo, mas sim para o lucro. Então, os gêneros agrícolas mais produzidos são produtos que o brasileiro não tem costume de consumir, como a soja, ou produtos que, embora sejam consumidos aqui, são destinados em maior percentual à exportação.
Assim, o quadro é o seguinte: o brasileiro costuma consumir arroz, feijão, mandioca, batata, pão de trigo e café diariamente, ou na maior parte dos dias da semana. O Brasil produz todos estes gêneros agrícolas, portanto, eles deveriam ser baratos. Mas são caros, por conta da escassez. Sim, está escrito “escassez” mesmo. O feijão praticamente só é produzido pelos pequenos produtores, pois os melhores campos de cultivo deste tipo de grão são destinados à produção de soja, que é quase 100% exportada, já que pouco se consome no Brasil. Então, há pouco feijão no mercado e ele encarece. Já o arroz, embora seja produzido em latifúndios, também é exportado, em sua imensa maioria, bem como o trigo para se fazer pão, e o café, a cana-de-açúcar, e por aí vai.
E é assim que o Brasil, “celeiro do mundo”, um dos maiores produtores mundiais de gêneros agrícolas, é um dos países do mundo em que a comida é mais cara para o povo. Há países, inclusive na União Europeia, em que os governos impõem barreiras tarifárias, de modo que os grandes proprietários tenham de pagar tributos tão elevados para a exportação e que os mercados tenham de pagar tributos tão elevados para a importação, que se torne vantajoso manter a produção no país, por isso os alimentos são mais baratos.
Mas, aqui no Brasil, os grandes produtores rurais são políticos ou financiam políticos, de modo que ninguém lhes tira o sacrossanto direito de ganharem em dólar ou em euro. Também há países que controlam a escassez para regular os preços mediante aquisição de produtos, de modo que quando um gênero agrícola é produzido em excesso, o governo o adquire, e quando falta aquele mesmo gênero, o governo coloca a sua reserva no mercado, a fim de que os preços se mantenham estáveis. Mas o Brasil esteve por seis anos sem fazer isso, precisamente durante os goveros Temer e Bolsonaro.
Portanto, a política de compra de produtos agrícolas para a formação de estoques públicos depende de quem está no poder, e é justamente quando os governos servem aos interesses do agronegócio que a população mais sofre com a impossibilidade de adquirir produtos básicos. Na verdade, em nome do lucro de poucos, o agronegócio causa a fome de milhões.
E nem é preciso abordar o impacto ambiental da agricultura intensiva, voltada apenas para os interesses capitalistas, a qual deve ser tema de um comentário à parte.
É, portanto, nesse contexto que o MST é muito mais importante que o agronegócio. O movimento alinha-se aos ideias comunistas, lutando pelo fim dos latifúndios, especialmente daqueles que são improdutivos, mas também daqueles que, embora produzam, não atendem à sua finalidade social. A sua principal bandeira é a reforma agrária, com a distribuição de terras aos camponeses, que produzem aquilo que o povo brasileiro realmente come. Com o fim da concentração das terras nas mãos de poucos, os trabalhadores rurais poderão produzir para abastecer o mercado interno, ter a sua dignidade preservada e beneficiar a coletividade, por meio da queda nos preços.
O “agro” é miséria, é fome, é exploração, é desmatamento, enfim, é morte. O MST é justiça social, é terra para quem a cultiva, é comida na mesa do brasileiro, é vida. Fique do lado certo, presidente. Não se trata de uma escolha difícil.