Como seria se um branco se fantasiasse de negro, criasse uma personagem e passasse a ser reconhecido e respeitado como "negro"? E se, além disso, tivesse também milhões de seguidores nas redes sociais e, com eles, muito dinheiro?
A esta hora estariam todos indignados, falaríamos de "blackface", haveria denúncias por racismo, apropriação cultural e possivelmente o movimento negro incentivaria atos de revolta. Nada mal.
Curiosamente, a sociedade continua a ver as "drag queen" como mera arte e não uma forma de misoginia. Se brancos nao podem pintar o rosto e dizer que são negros, porque é racismo, se, alegadamente, atores não podem performar o papel de uma pessoa trans, porque seria transfobia, por que homens podem converter-se em "mulheres" através do exagero e ridicularização da feminilidade? Negros não são fantasia, trans também não, mas mulheres o são?
Historicamente, as mulheres têm sido oprimidas precisamente com os papeis de gênero que as inserem numa posição desfavorável na sociedade. Ao imitar estereótipos muito marcados do que seria uma mulher "poderosa", estes homens reforçam uma caricatura do que é ser mulher, um recorte muito específico de uma existência feminina à moda burguesa, sempre de saltos altos, roupas desconfortavelmente coladas no corpo, unhas compridas, excesso de maquiagem e cabelos artificiais. Ou seja, trata-se de uma homenagem a uma espécie de mulher que a sociedade capitalista coloca como "vencedora", ainda que sempre permaneça abaixo do homem, que não precisa se produzir tanto para ter um mínimo de prestígio social.
Não existe "drag queen" que imite as mulheres comuns da classe trabalhadora, o que revela um discurso de supremacia dos valores da elite por trás da performance. Mas mesmo as chamadas "socialites" não mereceriam paródia por arte de um homem.
"Drag" não é progressista, é, na verdade, retrocesso, a exaltação de um tempo em que às mulheres era proibido representar, e, como tal, os homens desempenhavam os papeis femininos. "Dress as a girl", em português, "vestido como uma garota", é um velho conceito que já existia no tempo de Shakespeare.
Hoje, criaram um conceito artístico em torno de uma velha opressão à qual o patriarcado submeteu as mulheres. É, além do mais, uma forma de ridicularização da imagem da mulher na sociedade. Se, por um lado, aprisionam as mulheres a estereótipos de gênero, que mais não são que pura violência e anulação, por outro, glamurizam e convertem numa espécie de momento artístico toda a violência e opressão de que são vitimas há séculos. "Drag" não quebra tabus, não é desconstruído, não é arte, é apenas mais uma violência contra as mulheres.
Quando as feministas radicais criticam estes homens que se fantasiam de mulheres, ridicularizam-nas com performances grotescas e estereotipadas e são mais respeitados e valorizados enquanto "mulheres", logo são perseguidas, acusadas de transfobia, misandria, histeria e mais uma série de coisas. Basicamente, ninguém as escuta e mandam-nas baixar a bola porque os homens têm todo o direito de ter mérito com personagens de mulheres.
Desde quando mulher é uma fantasia? Desde quando sexo não precisa ser respeitado igual à "raça"? "Drag queen" é ofensivo.