Squid Game tem sido apontada por muitos como uma alegoria do capitalismo. E, com efeito, a série coreana, em seu "realismo fantástico", consegue fazer um retrato do sistema em que vivemos.
Ao longo dos seis episódios da série, vemos o protagonista, um homem viciado em jogos de azar, desempregado e endividado, que, após o seu divórcio, voltou a morar com a mãe e não cumpre a sua parcela de responsabilidade pelo sustento da filha, juntar-se a outras pessoas inseridas numa condição de marginalidade e fracasso pelo sistema econômico e político vigente, passando a integrar uma competição em que o vencedor receberia uma grande soma em dinheiro.
Após receber um convite por parte de um desconhecido, Seong Gi-un decide participar da disputa para conseguir dinheiro suficiente para obter a guarda compartilhada da filha e, assim, impedir que a menina vá viver longe dele com a mãe e o padrasto, para além de poder auxiliar financeiramente à própria mãe, já idosa e adoecida.
O argumento não é nada original: trata-se de um jogo onde pessoas endividadas por conta de seus vícios, pelo consumismo ou pela incapacidade de fazer frente às suas despesas necessárias, pobres, mulheres, estrangeiros, doentes, pessoas racializadas, idosos, prostitutas, criminosos e membros de outras minorias arriscam as suas vidas para proporcionarem entretenimento para um grupo de milionários fúteis e desprovidos de quaisquer sentimentos de piedade e respeito pela vida dos marginalizados.
Outras produções já abordaram a mesma temática, porém, ainda assim, Squid Game é uma boa alterrnativa para quem quer refletir sobre as desigualdades sistêmicas e, especialmente, sobre o fato de que o capitalismo, valendo-se do desespero dos mais vulneráveis e excluídos, faz com que eles rivalizem e lutem até a morte entre si, enquanto os donos do poder assistem a este espetáculo com gosto e com a certeza de que a sua posição será mantida.
Ao fazer com que os membros da classe trabalhadora e das demais minorias entrem em competição uns contra os outros, os sistema se beneficia dos esforços de cada um para ser o melhor e, ao mesmo tempo, constrói uma conjuntura em que os oprimidos deixam de lado os sentimentos de fraternidade e solidariedade que poderiam conduzir à sua união contra os opressores, aderindo a blocos identitários, que lutam contra outros explorados com as mesmas armas com que lutariam contra a classe dominante, ou optam pelo individualismo – algo que a série demonstra com maestria.
Por fim, descobre-se que o opressor pode estar oculto entre os oprimidos, de modo que, quando convém, o sistema adota uma estratégia de sabotagem interna, fazendo com que aqueles que subjugam as massas sejam vistos como uma inofensiva parte delas.
Como conclusão, a série nos oferece premissas básicas da vida no sistema capitalista: num jogo em que nos é exigido que entreguemos toda a nossa vida, matemos os nossos semelhantes e aceitemos qualquer risco apenas pela nossa sobrevivência ou para atingirmos um patamar socioeconômico mais elevado, quem ganha também perde. Só os privilegiados espectadores vencem. E o verdadeiro desafio sempre foi acabar com a existência da competição.