Em “A Outra História Americana”/”América Proibida”, vemos Derek Vinyard, um jovem comum, tornar-se um nazifascista sedento pelo sangue das minorias, premissa que já foi utilizada inúmeras vezes no cinema – este, porém, é um filme diferenciado.
Na produção, de 1998, podemos acompanhar o desenvolvimento do protagonista e entender todo o processo que fez com que um estudante que gostava de história e, inclusive, refletia sobre o racismo e as discriminações nas aulas de um professor negro a quem admirava, pudesse se converter em um supremacista que explica todos os problemas sociais com base na fórmula que afirma que existe um determinado lugar na sociedade para os brancos, que devem comandar, e outro para os racialmente inferiores, que devem servir, de sorte que todo o desequilíbrio que o jovem identifica no mundo decorre da circunstância de que as pessoas racializadas saíram do seu devido lugar.
Derek era um rapaz de uma típica família branca estadunidense, que vivia numa casa confortável, com duas irmãs, um irmão, pai e mãe. O pai, a quem admirava, costumava proferir as suas opiniões políticas à mesa, contrariando aquilo que o professor de história do filho ensinava em sala de aula. Estas meras opiniões, que, apesar de seu cunho racista carregado de ódio e preconceitos, pareciam tão inofensivas, eis que emitidas num ambiente doméstico, tornaram-se um contraponto àquilo que o jovem aprendia na escola, causando, de início, uma desconfiança de que haveria uma “verdade oculta” que o sistema educacional escondia, e, posteriormente, foram o combustível que moveu Derek rumo ao nazifascismo.
O potencial destrutivo das palavras é, por vezes, subestimado. O pai de Derek, bombeiro de profissão, morre em um incêncio ocorrido num bairro periférico habitado por negros e latinos, e, diante disso, o protagonista entende que aqueles discursos contra as minorias faziam todo o sentido, passando a buscar refúgio em grupos supremacistas raciais, onde todas as explicações dos problemas sociais eram apresentadas como consequencias da imigração, da miscigenação, da aquisição de direitos por parte das pessoas racializadas e, especialmente, da circunstância de que os brancos não possuem amparo do ordenamento jurídico para implementar a sua ditadura.
Apesar de parecer uma narrativa ficcional com tons de exagero, o enredo do filme não se revela distante da realidade. Derek era um jovem que, assim como muitos outros, procurava explicações para os problemas sociais que observava, e encontrou-as no lugar errado. E isso, aliado a prováveis inclinações à violência que já possuía, contituiu a mistura explosiva que o transformou num criminoso.
A despeito das afirmações delirantes ou propositadamente falsas dos conservadores, que afirmam que existe um tal "marxismo cultural", o que se observa é que o discurso de direita é hegemônico na sociedade, e nem sempre bons professores de história vão conseguir desfazer o estrago causado pelas opiniões abertamente preconceituosas dos familiares, amigos e outras pessoas de influência sobre os jovens ou pelas afirmações veladamente racistas e xenófobas dos meios de comunicação social.
Como muitos outros jovens em sofrimento, Derek, já contaminado por ideias de orientação nazifascista, procura dar vazão aos sentimentos de revolta e tristeza que lhe ficaram após a perda do pai. Encontrou acolhimento em grupos ligados ao neonazismo e, devido à sua inteligência e perspicácia, rapidamente tornou-se um líder, embora não percebesse que era manipulado por um guru de meia idade disposto a tudo para recrutar jovens.
Infelizmente, o protagonista parece encontrar neste discurso de superioridade racial um refúgio para as suas inquietações e uma compensação para possíveis sentimentos de insegurança com relação a si mesmo e, apesar de não compreender esta realidade, procurava conquistar justamente outros jovens como ele, ressentidos e infelizes. Entre os supremacistas, muitos jovens que outrora sentiam-se excluídos passam a sentir que têm valor, que são especiais – e, como o filme elucida, embora não haja uma equivalência social ou moral, este fenômeno acaba por ocorrer também entre os jovens dos grupos minoritários, cuja revolta é transformada rapidamente em ódio e violência organizada, com embasamento no pressuposto de que é preciso dominar antes de ser dominado, bater antes de apanhar e rejeitar qualquer tentativa de conciliação, mesmo quando o suposto inimigo não demonstra representar perigo algum.
Nesse contexto, é preciso reconhecer que a direita há décadas se encontra muito melhor organizada do que a esquerda, algo que a narrativa do filme evidencia. É indiscutível o pressuposto de que pregar o ódio e a segregação é algo muito mais fácil do que pregar a unidade e a amizade entre os povos, bem como que os discursos supremacistas atendem aos interesses da classe dominante, que lucra com o racismo, a xenofobia, o machismo, etc., ao passo que retira do debate sobre os problemas sociais as pautas da pobreza, da exploração laboral e das opressões.
Não obstante, é preciso oferecer a todas as pessoas, especialmente aos jovens, uma alternativa ao discurso hegemônico da extrema direita. A esquerda precisa pautar os debates e constituir um lugar de acolhimento aos que se sentem excluídos e àqueles que buscam explicações para os problemas sociais. Não cabe dúvida quanto à urgência do combate aos discursos de ódio, e a produção em questão reforça esta ideia de maneira muito clara, mas qual tem sido a atitude da esquerda comunista para evitar a multiplicação dos jovens como Derek?
Progredindo em sua senda de violência e ódio contra minorias, o protagonista torna-se um assassino, não sem antes arruinar a tentativa da mãe de dar-se uma oportunidade de ter um relacionamento com um homem judeu e conduzir o irmão mais novo, Danny, ao mesmo caminho de degradação supremacista. A irmã adolescente e a mãe, porém, mantêm-se à margem das atividades dos dois, sofrendo com a atitude daqueles que, para além de defenderem a opressão das pessoas racializadas, também oprimiam as suas familiares em vista de sua condição feminina, que, a seu ver, fazia-nas subalternas.
Quando é preso, após matar dois homens negros naquela que é a cena inaugural do filme, Derek deixa um legado para Danny, de quem é ídolo. Obtém, ademais, ainda mais prestígio entre os supremacistas.
No entanto, a vida na prisão revela uma outra face da sociedade, a qual não se encaixa perfeitamente nos ensinamentos dos compêndios nazifascistas. Inicialmente, junta-se a outros supremacistas brancos apenados, porém, com o tempo, passa a observar que estas pessoas, como é comum entre as lideranças de seitas, não vivem o que pregam e, em realidade, sequer creem na ideologia que propagam, a qual serve apenas como instrumento para a manipulação das massas, que ficam a seu serviço voluntariamente, acreditando nas disparatadas teorias de conspiração e de superioridade que vêm de cima. Abalado em suas crenças, Derek comete o erro imperdoável dentro do sectarismo: questiona a postura daqueles que têm mais poder do que ele. E isso custa-lhe caro.
Ao trabalhar na prisão, acaba por fazer amizade com um jovem negro, confirmando a tese de que o convívio entre os supostos diferentes acaba por evidenciar quão semelhantes todos nós somos. Contudo, é perseguido na cadeia pelos skin heads a quem costumava ver como “irmãos de etnia”, tornando-se vítima de atos brutais de violência, equiparáveis àqueles que antes defendia ou praticava. Violentado e humilhado, o protagonista vai para a enfermaria prisional e recebe a visita de seu antigo professor de história, a quem pede ajuda para obter uma revisão de pena, após ouvir alguns de seus conselhos, e passa a ler os livros trazidos pelo visitante.
Após as agressões por parte de seus antigos comparsas, Derek afasta-se deles e demonstra diante dos demais presos que já não faz parte daquele grupo, o que poderia ter culminado em sua morte se não fosse pela intervenção de seu novo amigo negro, que estava preso por furtar uma televisão e, graças a uma artimanha da polícia, foi punido com uma pena maior do que a dele.
Com o amadurecimento, Derek vai, aos poucos, percebendo que não sabia nada sobre a vida real. Ao entender que estava errado, decide mudar de vida após sair da prisão.
Assim, ao voltar para o ambiente familiar, o jovem evita reunir-se com os antigos amigos supremacistas e procura, sem sucesso, convencer a namorada a abandonar o nazifascismo. Sua missão maior, no entanto, é evitar que o irmão mais novo repita os seus erros.
Liberto do pensamento supremacista, Derek tenta desvincular-se dos grupos que frequentava, apesar de ter atingido o estatuto de “mito” por ter matado homens negros. Ao declarar que deseja abandonar a “causa”, é hostilizado pelo guru, que afirma que com a incipiente popularização da internet as organizações nazifascistas estavam cada vez mais fortes e que aquele discurso já havia se disseminado largamente.
Vendo os resultados da atividade criminosa da qual participou, Derek restabelece o contato com o seu antigo professor de história, que agora dava aulas para Danny, a quem solicitou a entrega de um trabalho sobre a “história americana proibida”, após o adolescente ter escrito um trabalho exaltando o livro Mein Kampf e a figura de Adolf Hitler.
Restava-lhe, ainda, a missão de salvar o irmão, e para tanto Derek aceita contar-lhe tudo o que lhe aconteceu na cadeia, convencendo-o de que as ideias supremacistas são absurdas e servem apenas para instrumentalizar pessoas cheias de raiva e ressentimentos. Mas às vezes já não há tempo. Nem sempre é possível voltar atrás.